Como os games “sérios” podem ser úteis na educação

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Vicente Martin, professor e supervisor das disciplinas de games da ESPM e consultor da On e-Stadium, explica como a linguagem dos games vêm invadindo os mais diversos setores.

Faz tempo que o tema “games” deixou de estar relacionado estritamente ao universo de crianças e adolescentes. Sendo uma das maiores indústrias mundiais e com desdobramentos em diversas plataformas, era esperado que um dia começassem a espalhar seus conceitos e linguagens para outras áreas.

As mecânicas, linguagens e interfaces de jogos estão presentes além do puro e simples entretenimento. Vemos os elementos dos games em áreas diversas e sendo utilizados, algumas vezes, de maneira surpreendentemente inovadora. As terminologias e buzzwords encontradas ao estudar os desdobramentos dos games são muitas e suas definições/ideias estão longe de serem verdades absolutas. Fala-se de gamification, advergames, serious games e a cada momento surge uma nova expressão.

As críticas são severas, muitas vezes, em relação aos nomes que são atribuídos para estas modalidades. Independente de gostar ou não, devemos lembrar que vivemos em um mundo onde categorizar assuntos é muito importante e os diferentes mercados possuem necessidade de dar nomes (muitas vezes pomposos) para vender ideias e conceitos.

De uma maneira objetiva, o universo lúdico potencialmente congrega diferentes tipos de propriedades; dentro dele encontramos o ato de brincar, o entretenimento despretensioso do cotidiano e, inclusive, os games. Nesse contexto, os games se diferenciam pela propriedade de possuírem regras que devem ser aceitas entre jogadores ou entre um sistema e jogador(es) (vemos isso mais claramente nos jogos eletrônicos). 

Segundo alguns pesquisadores da área, os serious games são jogos que engajam o usuário e contribuem para a realização de um propósito definido que não seja apenas entretenimento puro. Talvez seja possível dizer que os serious games possuem situações reais como combustível criativo que ajudam a materializar suas interfaces.

Alguns exemplos parecem se encaixar nesta categoria e que nos ajudam a visualizar o uso mais claro desta nos games. 

1 – Educação

Na área de educação há um exemplo interessante sobre o uso de mecânicas lúdicas: trata-se da escola pública de Nova York chamada Quest to Learn, que transmite conhecimento aos seus alunos de seis a 12 anos por meio de jogos analógicos, video games e outras atividades lúdicas. A Quest to Learn, inclusive, estimula que seus alunos criem seus próprios jogos para apresentar como solução para problemas e tarefas. Esta escola parte do princípio de que as crianças podem aprender melhor se estiverem imersas em um ambiente lúdico e divertido. Os pedagogos e game designers envolvidos na criação deste projeto acreditam que a formação da identidade de seus alunos pode ser moldada hibridizando os conceitos de educação tradicional com role playing e jogos das mais variadas naturezas. A escola existe desde 2009 e está ganhando grande repercussão pelo mundo nos últimos tempos por se basear na ideia de que aprender se divertindo pode ser uma experiência positiva para seus alunos. Para entender melhor o curriculum, conteúdo e metodologia de ensino deste projeto, vale a visita no site da Quest to Learn que se encontra no endereço www.q2l.org.

2 – Causas sociais 

No que tange as causas sociais temos muitos exemplos extremamente interessantes de games baseados em evidências do mundo real. O game Phone Story (http://www.phonestory.org/) foi baseado em evidências de uso de trabalho escravo para produção de smartphones de uma famosa marca do mercado. Segundo a definição dos criadores do game, Phone Story é uma experiência que busca conscientizar as pessoas sobre o lado obscuro da manufatura de determinados aparelhos telefônicos, e mostrar como determinados produtos eletrônicos chegam através de duras condições de trabalho até seus usuários. A interface do jogo possui uma voz eletrônica que vai contando alguns dados baseados em fatos sobre abuso nesta cadeia de trabalho. Em uma das fases, o jogador deve apontar armas para trabalhadores para que estes não parem de trabalhar e extrair matéria bruta para fabricação dos aparelhos. Um site que congrega grande quantidade desse tepo de game para causas sociais é o http://www.molleindustria.org/.  A maioria do conteúdo utiliza mecânicas de jogos e interfaces lúdicas para mostrar denúncias e causas controversas da contemporaneidade.

3 – Política

O uruguaio Gonzalo Frasca é um dos principais promotores do uso de games em contextos políticos. Frasca trabalhou na primeira campanha de Barack Obama e possui em seu portfólio algumas peças polêmicas como o jogo “September 12th”, que mostra uma resposta aos ataques de 11 de setembro aos Estados Unidos. Segundo Frasca (2001), os games possuem o potencial de representar a realidade não apenas em uma junção de imagens e textos, mas como um sistema dinâmico no qual o utilizador pode intervir e aprender. Frasca criou uma experiência interessante para o partido Frente Amplio do Uruguai, trata-se do jogo Cambiemos (mudemos em português). O jogo procurava envolver os eleitores em uma atmosfera colaborativa utilizando a interface de um puzzle onde cada eleitor tinha que colocar uma peça para construir imagens de prosperidade.

O objetivo aqui não era transformar uma pessoa em um cientista político, mas baseado na evidência de que o eleitor queria conhecer a ideia central dos partidos, Frasca criou esta experiência.

4 – Empresas

A indústria de games está provando, cada vez mais, ser um espaço privilegiado de mediação, construção de narrativa e consumo de serviços e bens (materiais e simbólicos). Pela primeira vez é possível perceber com bastante clareza um caminho amplo a ser explorado estrategicamente, usando o entretenimento como combustível e moeda de troca. De uma maneira mais ampla, precisamos aprender como usar o lúdico para criar conteúdos cada vez mais relevantes para os consumidores/usuários. As marcas, produtos, serviços e empresas estão cada vez mais dispostas a usar estas estratégias em suas interfaces.

Sobre o autor:

Vicente Martin Mastrocola (@vincevader) é publicitário, graduado e pós-graduado em comunicação e marketing pela ESPM, instituição através da qual também adquiriu o título de mestre. Trabalha com projetos digitais de games e interfaces lúdicas desde 1998 e já realizou (e vem realizando) trabalhos para grandes clientes como: Vivo, MTV, Ford, Terra, Intel, Danone, McDonald’s e muitos outros. Atualmente é supervisor das disciplinas de games da ESPM de São Paulo e também ministra aulas de game design e mídia digital. No último ano escreveu diversos artigos sobre game design na mídia especializada e publicou diversos jogos de tabuleiro, cartas, internet, iPhone e iPad. Também é coordenador dos cursos da On e-Stadium, o maior complexo de e-sports e games da Amédica Latina.